Você
já dever ter ouvido falar que as pessoas costumam passar escritura por valor
abaixo do real, especialmente para economizar na escritura e registro, e pagar
menos imposto. Você deve ter ouvido falar que não há problemas nessa prática ou
que muitos já fizeram negócios dessa forma. No entanto, você tem o direito de
saber antecipadamente quais são de fato os problemas que poderão ser
enfrentados por aquele que abraçar essa simulação.
No Livro “O que você precisa saber sobre o Cartório de Notas (Editora Crono,
2016, Autor Luís Ramon Alvares)”, consta a seguinte abordagem do tema,
relativamente à correta indicação do valor da venda.
Esta é uma pergunta que muita gente faz: Posso fazer (passar) escritura por
valor inferior ao valor real da venda (p. ex., pelo valor venal indicado pela
Prefeitura)?
Não! Porque, se a escritura for passada por valor inferior ao valor real
acordado pelas partes, todo mundo poderá ter problemas, inclusive o Tabelião.
Haverá as seguintes implicações:
Recolhimento a menor de tributo, pois o imposto de transmissão do bem (ITBI ou
ITCMD) e o recolhimento das custas cartorárias devem levar em conta o valor
real do negócio, se este for superior ao valor venal. Sobre a diferença não
recolhida incide multa, juros e correção monetária.
Há possibilidade de ação penal em face das partes e dos envolvidos (corretor,
tabelião, intermediários etc.) por sonegação fiscal (recolhimento inferior do
imposto de transmissão e das taxas pagas), falsidade ideológica etc.
Se houver algum problema no imóvel ou execução contra o vendedor, com
questionamento do negócio realizado, o valor declarado pelas partes (valor
inferior) será levado em conta na fixação da indenização. Imagina-se, por
exemplo, que um prédio de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), com escritura
“passada” por R$ 100.000,00 (cem mil reais), caia, desmorone. O valor de
indenização será que R$ 100.000 (cem mil reais)? Ou o comprador pedirá indenização
por valor maior e confessará que sonegou tributos e demais taxas na
transferência do imóvel?!
Se o imóvel estiver locado e o vendedor e o comprador não locatário acordarem
um valor inferior ao valor real, o locatário, que tem direito de preferência,
poderá adquirir o imóvel pelo preço (menor) indicado na escritura.
O comprador poderá pleitear judicialmente a devolução da quantia paga que for
superior à aquela quantia declarada na escritura [vide Acórdão Proferido no
Agravo Interno na Apelação Cível n. 230130-87.2012.8.09.0051 (201292301309) –
TJ/GO].
Se a aquisição do bem se dá por valor inferior ao valor real, na posterior
venda desse bem pelo valor real (p.ex.: por exigência do novo comprador,
especialmente para obtenção de financiamento bancário), o vendedor (anterior
comprador) deverá pagar Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital (pelo menos
15%) sobre a diferença entre o preço de aquisição e de venda (o barato sai
caro, pois terá trocado uma “economia” (ilegal) de 2% ou 4%, para depois pagar
à Receita Federal pelo menos 15% de lucro imobiliário, acrescidos de multa,
juros e correção monetária).
O ato é nulo (art. 167, § 1º, inciso II, do Código Civil).
Possibilidade de perda do imóvel em favor do Município, que tem o direito de
preferência na aquisição pelo mesmo valor declarado na escritura (artigo 25 da
Lei n. 10.257/2001).
Se o comprador devolver o imóvel por vícios ou defeitos ocultos (artigos 441 e
442 do Código Civil), receberá, apenas, a quantia declarada como preço na
escritura.
Gastos desnecessários com processos judiciais e advogados. OBS.: Atualmente, os
órgãos fazendários têm muitos instrumentos para verificar (in)consistência
entre o valor (irreal) declarado pelas partes e o valor efetivo da negociação,
uma vez que: (1) o Poder Público recebe informação de toda transação bancária a
partir de R$ 2.000,00 (art. 7º, inciso I, da Instrução Normativa RFB n.
1.571/2015); (2) as imobiliárias emitem a Dimob- Declaração de Informações
sobre Atividades Imobiliárias, com indicação do valor da transmissão do imóvel;
(3) os cartórios de imóveis e de notas são obrigados a emitir a DOI –
Declaração sobre Operações Imobiliárias, com indicação do valor declarado de
cada a transação lavrada ou registrada.
Luís Ramon Alvares é tabelião/registrador em Mogi das Cruzes/SP (Tabelionato de
Notas e Registro Civil das Pessoas Naturais do Distrito de Taiaçupeba,
Município e Comarca de Mogi das Cruzes/SP. É especialista em Direito Notarial e
Registral e em Direito Civil. É autor de O que você precisa saber sobre o
Cartório de Nota (Editora Crono, 2016) e do Manual do Registro de Imóveis:
Aspectos Práticos da Qualificação Registral (Editora Crono, 2015). É
idealizador e organizador do Portal do RI- Registro de Imóveis e editor e
colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI. É autor de
diversos artigos publicados em revistas especializadas, especialmente em
direito notarial e registral.
Fonte: Portal do R.I